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Hip-hop faz 50 anos e debate ações de incentivo ao setor no DF

Uma festa no Bronx (Nova York, EUA), em 11 de agosto de 1973, marcou o nascimento do hip-hop. Para comemorar o cinquentenário do movimento cultural – que reúne graffiti, break e rap com DJs e MCs –, artistas de Brasília preparam atividades ao longo de 2023. Entre elas, está marcado para sexta-feira (14) um encontro com gestores da Secretaria de Cultura e Economia Criativa (Secec) para discutir as prioridades do segmento.

A movimentação dos hip-hoppers reflete a expectativa pelo lançamento de decreto federal criando um programa de fomento para o setor. Prevista para ser publicada em agosto, a minuta da norma foi construída com a participação da sociedade civil e institui o Programa Nacional de Reconhecimento e Fomento à Cultura Hip-Hop. A finalidade é promover, integrar e articular ações e projetos dos vários entes federativos, valorizar, dar visibilidade, financiar e difundir a arte, promovendo ainda a capacitação de agentes culturais. Cinquenta incisos detalham as ações propostas para o setor. No DF, buscam agora por uma ação análoga do governo local.

“O hip-hop é uma das expressões periféricas mais contundentes de contestação da desigualdade social. A Secretaria quer montar um grupo de trabalho com a sociedade civil e a participação da Câmara Legislativa para consolidar uma política de apoio à arte urbana”
Sol Montes, subsecretária de Difusão e Diversidade Cultural da Secec

“O hip-hop é uma das expressões periféricas mais contundentes de contestação da desigualdade social. A Secretaria quer montar um grupo de trabalho com a sociedade civil e a participação da Câmara Legislativa para consolidar uma política de apoio à arte urbana, na qual o hip-hop se destaca”, acena a subsecretária de Difusão e Diversidade Cultural da Secec, Sol Montes.

“O grupo de trabalho vai esboçar uma política pública para o hip-hop. Vamos anunciar também a criação do Prêmio Hip-Hop”, acrescenta a gestora, que será acompanhada no encontro de sexta-feira pela subsecretária de Economia Criativa, Angela Inácio, e do servidor e representante do Comitê do Grafite, Danilo Rebouças. Segundo ele, “o grupo de trabalho da Secec com os artistas integrantes do movimento promoverá a divulgação das modalidades artísticas do hip-hop e de outras manifestações, potencializando o debate em torno de políticas públicas para a juventude”. Foram convidados, ainda, a produtora e artista Nayane Cruz e o deputado distrital Max Maciel.

Ceilândia

Ainda que os registros dominantes voltem a percepção para São Paulo e Rio de Janeiro, o movimento cultural também tem muita história no DF. Há muitos anos a capital federal já fazia seus scratchs (manobra do DJ no pick-up, ao rodar o disco no sentido anti-horário, produzindo o caraterístico som de arranhado na superfície do vinil) em bailes de fim de semana. O trabalho do pesquisador Thiago Flores, Peso, Caminhos do Rap no Distrito Federal, feito entre 2016 e 2021, com aporte do FAC daquele ano, relata esses primórdios.

“Já existiam equipes de som nas periferias do DF desde os anos 1970”, relata o trabalho ao se referir aos bailes, opção de lazer mais barata fora do Plano Piloto. O texto cita DJs de Ceilândia, Cruzeiro, Guará, Núcleo Bandeirante e Paranoá, sem deixar de mencionar a galera que desfilava no Conic com as roupas que criavam a identidade de então – tênis Ivan Lendl, calça jeans ou de veludo com camisa pra dentro e jaqueta de couro da Brooksfield. Camisa fora da calça era talvez para esconder o “berro” (arma de fogo).

Que Ceilândia seja o berço do hip-hop no DF se explica pela transferência, em 1971, das famílias de operários que construíram Brasília para regiões mais distantes, o que alimenta a desigualdade social, combustível dessa cultura em suas diversas manifestações artísticas.

A cidade guarda no prefixo “Cei”, que lhe forma o nome, a sigla da então “Campanha de Erradicação das Invasões”, destinada a tirar da vista os trabalhadores pioneiros. Na identidade, a Ceilândia mantém que não é brasiliense, como registrado no documentário Rap, o canto de Ceilândia, do diretor Adirley Queirós, que também é ceilandense.

Um dos personagens do documentário, Marquim do Tropa chegou a Ceilândia com poucos meses de vida, na carroceria de um caminhão. Ele compila em seu portfólio, entre oito filmes e 16 discos, o laudo médico que atesta traumatismo da medula espinhal torácica, lesão provocada por arma de fogo, souvenir de uma ação policial na periferia que o deixou imobilizado da cintura para baixo aos 19 anos.

Documentário retrata a história do hip-hop em Ceilândia | Foto: Reprodução

Rapper desde 1988, é ator, compositor, intérprete e parte da banda Tropa de Elite. “Para mim é uma satisfação imensa ter nascido nessa geração e fazer parte destes 50 anos de hip-hop. Assim como o samba era coisa de bandido na década de 1960, o mesmo aconteceu com o hip-hop nos anos 1980”, sustenta.

Marquim reconhece que não é mais assim: “Hoje o cara pode levantar as mãos para o céu e dizer que conquistamos o nosso espaço. Nunca imaginei que iria viver isso, o hip-hop chegar nesse lugar. Mas não podemos esquecer de nossas raízes, nem dos irmãos que não estão mais com a gente nesse planeta e fizeram muito pela arte.”

Protagonismo feminino

No trabalho de Thiago Flores, um capítulo é dedicado às “minas”, intitulado Mulheres: uma trajetória consistente, inspiradora e subvalorizada. O texto reúne depoimentos femininos ao lado da ressalva que o hip-hop é tributário de outras construções simbólicas patriarcais e machistas, o que dificulta o reconhecimento das contribuições das mulheres no movimento cultural.

Militante do hip-hop em Santa Maria, Kamila Nascimento entende que essa arte empodera mulheres, negros e pessoas de baixa renda. “A cultura hip-hop permite que essas pessoas se expressem e contem histórias de uma forma autêntica e criativa, levando suas vozes para além das comunidades locais. Merecemos espaço, visibilidade, fomento e reconhecimento”, reivindica.

A escritora e poetisa Ravena Carmo vai na mesma linha: “O cinquentenário é um marco onde nós, fazedores da cultura hip-hop, reivindicamos o reconhecimento da arte, seja por meio do decreto que está em tramitação e que foi elaborado em conjunto com todos os estados e o DF, seja com o reconhecimento do hip-hop como patrimônio imaterial”.

“O hip-hop é uma ferramenta de transformação social nas periferias, chega onde muitas vezes o estado não chega. São centenas de ações protagonizadas por agentes das periferias”, explica ela, que é dirigente da Frente Nacional de Mulheres no Hip-Hop do DF, professora de Ciências, pedagoga e mestranda em Políticas Públicas e Gestão da Educação na Faculdade de Educação da UnB, além de produtora cultural e educadora popular. As credenciais se somam à pauta do movimento: “Queremos políticas públicas e que o Estado nos apoie”, resume.

Reunião do Cinquentenário do Hip-Hop
Sexta-feira, 14 de abril, às 18h30
Museu Nacional de Brasília (próximo à Rodoviária do Plano). Auditório 2

*Com informações da Secretaria de Cultura e Economia Criativa

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