Sua essência não está no papel que você desempenha.
Fernando Pessoa escreveu um poema chamado “Tabacaria” e um dos trechos diz:
“Fiz de mim o que não soube;
E o que podia fazer de mim não o fiz;
O dominó que vesti era errado;
Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me;
Quando quis tirar a máscara,
Estava pegada à cara;
Quando a tirei e me vi ao espelho;
Já tinha envelhecido;
Estava bêbado, já não sabia vestir o dominó que não tinha tirado;
Deitei fora a máscara e dormi no vestiário;
Como um cão tolerado pela gerência;
Por ser inofensivo”.
Nós exercemos papéis na sociedade. Papel de pai, papel de mãe, papel de professor, de engenheiro, de advogado, de médico, policial, garçom, ia incluir vendedor, mas todos somos vendedores, depois escrevo sobre isso. O fato é que parece que já existe um estereótipo em cada um desses papéis. Seja como uma autodefesa, seja como macaquice que fazemos sem nos questionar e quando resolvemos nos questionar, a máscara já está pregada na cara, o dominó que vesti era errado, as peças já não se encaixam, simplesmente porque não nos questionamos, e continuamos vivendo como achamos que tínhamos que viver, macaqueando ou nos defendendo.
Seu papel não é sua essência. Sua essência humana de alcançar de forma leve o que queria alcançar já foi perdida por não saber mais se você é você, se você é o que quiseram que você fosse, ou o que disseram que você era.
O convite hoje é para que você quebre esse conjunto de crenças que vem armazenando no seu dia a dia, do seu papel, do seu trabalho de fazer as coisas da mesma forma, porque quando você chegou ali, para cumprir o seu papel, já era assim que faziam e se você fizesse diferente, o viriam como um louco; então, que pareça um louco, mas que coloque mais humanidade nas coisas que faz, coloque mais VOCÊ e pare de representar.
Sabe, uma vez li que “a vida é um tédio para quem vive de fingimentos” é porque se você vive de fingimentos a vida se torna uma eterna repetição; fazer as coisas sempre do mesmo jeito, como robôs, como autômatos torna-se entediante. É como aquele garçom que tem em seu restaurante pratos feitos e o cliente gostaria que trocasse batatas fritas por purê e o garçom diz que não pode alterar o prato do chefe, é aquele pizzaiolo que não faz pizza portuguesa sem ovo conforme o desejo do cliente para não descaracterizar, é o policial que quando coloca a farda, vem junto a sua máscara de mau. Comece a reparar quantas vezes no seu trabalho você está apenas cumprindo o seu papel e quantas vezes você pode ser humano e viver a sua essência verdadeira. Às vezes não dá para você deixar de cumprir o seu papel sem deixar de ser você, mas será que você é tão rígido a ponto poder ser substituído por uma máquina? Acho que essa frase eu poderia ter deixado pro final, para te deixar pensando a semana inteira sobre isso, mas te darei mais material para pensar.
Deixar de viver em cima de papéis e passar a viver uma vida autêntica, uma vida em que você seja o protagonista, é o que vai te tirar do tédio. É sendo fiel aos seus valores, não barganhando princípios, que encontramos a verdadeira felicidade. Isso é ser forte, isso o tornará um homem ou uma mulher de caráter.
Se quando chega domingo depois do almoço e você sente náuseas, não pelo almoço, não pela cachaça que talvez você tenha bebido demais, mas pela véspera de segunda-feira, saiba que é devido ao papel que você está cumprindo e que disseram que você era esse papel e agora você acredita que seja, que sentes essa náusea, essa angústia.
Cumpra o seu papel, cumpra o seu propósito, mas não perca a sua essência nem barganhe os seus princípios e valores. Pense nisso.